terça-feira, 15 de abril de 2008

Farmakon

Eu tenho uma teoria...

Acho que todo mundo tem um manual de instruções, uma bula, quando, onde e principalmente como ser manuseada, não posso falar pelos outros, falo por mim, por mérito e por convicção.

Se me ver, pode chegar perto, mas não invada muito bruscamente porque posso me assustar, mas também não muito devagar, porque eu posso dormir.

Não use da estupidez comigo, porque costumo ser intolerante com esse tipo de atitude, também não levante seu tom de voz porque eu posso revidar.

Durmo muito e acordo de mal humor de manhã, então, até eu absorver a idéia de que eu estou acordada, não faça movimentos repentinos.

Faça cafunés, toque os meus pés e não precisa ser sincero, basta ser convincente ao dizer que eu sou linda mesmo de chinelo e camiseta branca.

Ando com as minhas próprias pernas, por isso fazer com que eu perceba sua ausência pode ser mais eficaz do que me sufocar com a sua constante presença.

Procure me deixar horas em um restaurante, tomando vinho e falando sobre coisas inteligentes, não precisa ser uma revisão da lógica de Kant, mas desde que eu não tenha vontade de ir embora e que eu dê boas risadas.

Mas por favor, falar em rir, escolha bem suas piadas e pense duas vezes antes de me contar, porque não tenho muito bom humor para piadas.

Sugiro algumas viagens antes de me conhecer, alguns livros e algumas boas músicas e uma dose extra de algumas decepções, para que você não espere muito de mim e para que eu possa ter a oportunidade de te surpreender.

Por favor, não seja leviano e acredite no que eu falo, mas acredite também nas minhas mentiras, tenho o péssimo hábito de fazer jogos com palavras só pra confundir.

Respeite minha necessidade de ficar sozinha as vezes, e nessas horas, volte só se eu te chamar, mas nem por isso me obedeça sempre, eu erro as vezes e gosto de pessoas mais fortes do que eu e que mais do que isso, demonstrem essa fortaleza de vez em quando.

Se vista bem, mas saiba chamar minha atenção com a camisa pra fora, mas principalmente deixe a barba por fazer e o cabelo bagunçado.

Tome decisões, mas não tente toma-las por mim, escolha seus caminhos, trace suas rotas e não dependa de mim pra fixar seu norte.

Escolha suas músicas e seus livros, mas leia-os e leia-os de novo e de novo, leia os clássicos, mas não se intimide com o novo.

Não precisa saber lavar, passar, cozinhar, alias, se puder odiar a vida doméstica e preferir surfar ou voar ou caminhar ou cavalgar, melhor.

Goste do agito da noite, mas prefira um jantar a dois, ser menos da noite e mais da vida faz parte da maturidade.

Se interesse também por desenhos animados, principalmente os antigos e por isso seja um pouco nostálgico, mas não seja triste, não gosto de gente triste ao meu lado, não sei lidar bem com isso, mas se interesse também por filmes, jornais e atualidades, mas sem se tornar escravo da televisão.

Aliás, nem da televisão, nem do emprego, nem de mim e nem de nada, só poderemos andar juntos se cada um andar com as próprias pernas. E por isso não seja nem meu escravo, nem meu amigo e principalmente não queira ser meu pai e muito menos meu filho.

Esporadicamente, faça uma loucura por mim, me mostre o lado insano das coisas, me surpreenda.

Goste de vinho, entenda de vinho, entenda de vinho, chocolate, arte e sexo.

Goste de mais vinho e menos de cerveja e por favor, saiba beber com elegância, saia com seus amigos e não me conte todos os seus segredos.

Chore, tenha insônia, eleja uma contravenção, cometa menos excessos e mais pecados.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Eu sou eu e as minhas incoerências

Carrego culpas de estimação, Aposto certa somente dos meus instintos, Trago uma leve percepção do escuro, uma cômoda turbulência, e uma perdoada loucura.

Construo meus castelos primeiros em devaneios, depois pinto-os no real. Tenho uma inconstância quase companheira, pequenos medos de ter grandes coragens.

Brinco com o impossível, choro sem derramar lágrimas, admiro meus desafetos e desconfio dos meus amigos. Não tenho medo de morrer, mas pavor de chuva.

Não guardo mágoas e esqueço com facilidade o que eu um dia jurei que era importantíssimo na minha vida. Prefiro espelhos do que fotos passadas, prefiro transgressões a juras, o amargo ao doce, o veneno ao remédio.

Levo tudo a sério, com exceção de mim mesma, você também não deveria me levar. Faço mais do que eu devo e bem menos do que eu poderia. Digo sim na maioria das vezes, mas digo não uma vez só. Busco sem saber onde quero chegar e comumente percebo que as coisas mais valiosas estão ao meu lado.

Não economizo nem dinheiro, nem elogios. Acredito mais nos pais do que no senso comum, Escrevo por linhas tortas a maioria das vezes, me compro e me corrompo com coisas baratas. Acredito em fadas, bruxas, olho gordo, simpatias pra Santo Antônio e geralmente em quase tudo que me falam, mas estranho reações próximas e as vezes previsíveis, geralmente as minhas próprias.

Choro por causas alheias, compadeço por desconhecidos, faleço pelo dia e desperto pra ver a lua cheia. Não ando de cara lavada, mas se eu pudesse andava descalça, todo dia, o tempo todo. Travestida com roupas caras, gosto mesmo é de camiseta velha. Carrego duas tatuagens e incontáveis marcas, essas, muito maiores. Sou abusada e minha razoabilidade é mais por insegurança do que por sensatez. Não tenho pudor, em quase nada, mas sofro de uma timidez notória. Ainda durmo com minha mãe em noite frias e espero meu pai na porta de casa. Afinal, mesmo com a complexidade inerente à minha condição, eu não sou mais do que as minhas incoerências.

domingo, 6 de abril de 2008

Retratos

Faço pactos comigo, minto pra mim mesma e invento monólogos pra me distrair.
Alço vôos, traço rotas, embrenho em caminhos que eu não sei sair.
Meus passos largos, cabelos ao vento e sonhos que eu desisti.
Levo tudo comigo, planos, prosas de solidão, versos rasgados e uma bagagem de mão.


Rolo os dados, procuro desculpas, provoco brigas por causas que eu não acredito.
Arrumo bagunças antigas, roubo no jogo de cartas, vivo em um castelo de areia.
Meus olhos baixos, meu andar apressado e as cartas que eu não escrevi.
Deixo tudo como está, os medos, as amarras, os rascunhos e a sala de estar.


Vejo os mesmos rostos, repetidas histórias, imagino trilhas sonoras.
Falo mais baixo, fico perto e empunho uma espada que eu não sei usar.
Meu grito abafado, uma luz que incomoda e os poemas que eu não decorei.
Dou tudo como recompensa, os pecados, as correntes, as louças e uma crônica inacabada.


Enfrento minha incoerência, teço uma prece, me agarro a tudo que acho certo.
Olho com vendas, volto a pé, caio acidentalmente em lugares imaginários.
Meu chorar desajeitado, minha inércia conhecida e as juras que eu não cumpri.
Ganho tudo como prêmio e um dia quem sabe eu acabo aquela crônica.